DIREITO FALIMENTAR E RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS
INSOLVÊNCIA FÁTICA OU ECONÔMICA
Insolvente o devedor, isso implica em que não terá condição de cumprir a totalidade de suas obrigações, e sendo assim, se todos os credores se valessem de execuções individuais, os critérios pelos quais alguns receberiam e outros não (já que não seria possível pagar todos) seriam os mais aleatórios, e não necessariamente os mais legítimos.
A depender do caso receberiam os credores que houvessem proposto as execuções com antecedência (credores de dívidas já vencidas), e dentre estes provavelmente os que tivessem seus feitos tramitando em varas e tribunais que procedessem com mais celeridade. E nada disso é desejável. Na medida em que não é possível satisfazer todos os créditos, o critério para determinar quem tem preferência deve ser o da lei e não o de circunstâncias aleatórias. E aí que entra a execução concursal.
A execução concursal, via de regra, reúne a generalidade dos credores do insolvente e propicia que os pagamentos sejam realizados de acordo com a ordem e critérios da lei, além de estabelecer um critério paritário de tratamento entre os credores. O sentido de uma execução dessa natureza é centralizar a liquidação do ativo e o pagamento do passivo, e assim evitar que juízos diversos em comarcas diversas exarem decisões contraditórias fundadas em conhecimento parcial da situação de fato.
A insolvência, como se vê, impõe um caminho universal para os credores. Mas isso só ocorre quando a insolvência, além de ser um fato, é também reconhecida pelo direito. Quando a insolvência, além de ser econômica, passa também a ser jurídica.
3. Reconhecimento legal da insolvência.
A identificação do estado econômico de insolvência não é tarefa simples ou trivial. Para um credor de crédito não adimplido saber com certeza se a ausência de pagamento decorre de um efetivo estado de insolvência é necessário que tenha informações sobre o devedor que, a depender da desorganização dos negócios, talvez nem mesmo o devedor as tenha. Em se tratando de grandes empresas, então, mais complexa se torna a aferição do estado de insolvência.
Há métodos diversos para a detecção da insolvência. As ciências econômicas, contábeis e administrativas, nos limites e objetivos que perseguem, apresentam metodologias próprias para a aferição e enfrentamento da insolvência. Do mesmo modo o direito estabelece critérios para o reconhecimento jurídico do estado de insolvência. Preenchidos os critérios da lei tem-se a insolvência jurídica.
3.1. A insolvência, como vimos, é um estado econômico de fato que independe de previsão legal. Para o direito, contudo, a insolvência só é relevante e gera efeitos na medida em que resulte no preenchimento de alguns pressupostos legais. Em outras palavras, o direito opera com a presunção de insolvência que decorre do preenchimento de pré-requisitos legais para reconhecer a existência da insolvência.
Pode-se afirmar com certeza que o preenchimento dos requisitos da lei (insolvência jurídica) corresponde efetivamente a estado de insolvência (econômica)? Não necessariamente. E perceba o leitor que esta é justamente a questão que o direito pretende evitar. A detecção da insolvência real é tarefa árdua que o direito afasta ao satisfazer-se não com a prova inequívoca de sua existência, mas sim com a prova do preenchimento dos requisitos que permitem presumi-la.
É correto, portanto, entender que o pressuposto para a decretação da quebra, da recuperação de empresa ou do processo de insolvência civil é a insolvência jurídica, que se configura quando preenchidos os requisitos que permitem presumir a insolvência econômica.
3.2. A doutrina costuma arrolar sistemas de critérios para a presunção jurídica de insolvência, e isso também o faremos. Antes, contudo, cabe alertar para o fato de que tais listagens devem ser tomadas como possibilidades e exemplos de sistemas que já foram utilizados em outros países. Não se trata de um exercício de direito comparado, o que demandaria aprofundado estudo de ordenamentos alienígenas. A pretensão aqui é antes singela, e se limita a uma demonstração de que a diferença entre insolvência econômica e jurídica a depender do direito positivo vigente.
Os sistemas enumerados também não devem ser entendidos como critérios estanques, em que a opção por um deles exclui a opção pelos demais. Não é o que demonstram as experiências históricas em que os critérios costumam ser aplicados de modo combinado. Em ordenamentos positivos o comum é a coexistência de critérios distintos e complementares.
3.2.1. Insolvência confessada: a hipótese de confissão é um dos casos de aferição de insolvência. É o caso em que o próprio devedor admite esse estado e busca o reconhecimento jurídico e incidência das normas concernentes.
Pode-se alegar que em situação assim nem mesmo de presunção se trate, uma vez que a aferição de há insolvência vem do próprio insolvente. E justamente por isso a insolvência confessada é, em regra, admitida. Em nosso sistema, por exemplo, há previsão de confissão e, portanto, damos notícia deste sistema como uma das possibilidades de insolvência jurídica.
3.2.2 Patrimônio deficitário: patrimônio é o conjunto de relações jurídicas suscetíveis de avaliação pecuniária e referentes a um determinado sujeito. A toda pessoa corresponde um patrimônio que pode ser superavitário, quando o valor dos bens que o integrem supere o das obrigações de seu titular, ou deficitário, quando as obrigações se acumulem em montante superior ao valor dos bens. O expediente contábil para a aferição do déficit seria o balanço de determinação, consistente em demonstração contábil determinado pelo magistrado.
A principal crítica a esse sistema consiste no ônus imposto para a decretação da quebra, que fica a depender de um dispendioso e quiçá demorado procedimento de avaliação contábil. Do mesmo modo dificulta a iniciativa do devedor para a solicitação da falência, eis que dificilmente terá certeza do estado de déficit referente ao patrimônio do devedor.
Passivo maior que ativo. Essa, em síntese, é a fórmula do patrimônio deficitário.